Texto de Nelson Váron Cadena*
Em 1º de novembro de 1968, o jornalista e deputado Marcio Moreira Alves, falecido na última sexta feira, não dormiu na sua residência, às pressas transferido para a casa de um outro companheiro do Parlamento. Medida de precaução diante do boato de que ele e mais o seu colega de profissão, e também da casa legislativa, Hermano Alves, seriam seqüestrados nessa noite por forças clandestinas de segurança.
A informação partiu de uma fonte militar não identificada, o parente de um deputado, segundo informavam os jornais do dia seguinte que também destacavam a escolha da data para o ato planejado, de maneira a coincidir com a chegada da Rainha Elizabeth da Inglaterra ao Brasil. É claro que as providências tomadas pelos jornalistas e pelo Presidente da Câmara José Bonifácio, acionado pelo MDB, abortaram o suposto seqüestro, se é que o boato não era pânico e tinha algum fundamento.
O discurso e a crisePânico na verdade era o sentimento que, então, prevalecia em alguns setores políticos diante das ameaças de fechamento do Congresso que o regime reiteradamente anunciava através de fontes militares, em seguida desmentidas pela Presidência da República que garantia à opinião pública, através da imprensa, que não cogitava essa medida extrema. A boataria, em todo caso, era o resultado de um clima de tensão reinante desde 09 de outubro do referido ano quando o Ministro da Justiça anunciara que pediria à Câmara dos Deputados licença para processar os jornalistas- parlamentares Hermano Alves (que incomodava o regime com artigos no Correio da Manhã) e Márcio Moreira Alves pelo discurso considerado ofensivo às forças armadas, proferido em setembro.
Mas, por algum motivo o Governo deixou de lado Hermano para centrar a sua ofensiva em torno de Moreira Alves, desde então o pivô de uma crise institucional cujo epílogo seria a decretação do AI5 em 13 de dezembro.
Não namorar fardadosO polêmico discurso de Moreira Alves ( que tanto incomodou o regime) passou para a história como uma recomendação para que os brasileiros boicotassem o tradicional desfile de Sete de Setembro e esse era o seu contexto geral, mas, na minha opinião, é nos detalhes que estava o veneno como neste trecho, por exemplo: "Esse boicote pode passar também, sempre falando de mulheres, às moças. Aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje, no Brasil, que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à porta de sua casa àqueles que vilipendiam-nas. Recusassem aceitar aqueles que silenciam e, portanto, se acumpliciam".
Ou seja, Moreira Alves recomendava com todas as letras que os pais de família não permitissem a paquera de suas filhas com militares como se militar fosse uma casta maldita. O discurso estigmatizava a farda e segregava a classe.
Licença na marraO fato é que o Governo, pressionado pela caserna, pediu a cabeça do jornalista-deputado através dos meios regimentais (licença para cassação do mandato) confiando na tradição do Congresso nessa matéria, em situações semelhantes. Ainda estava viva na memória de veteranos políticos o episódio de 1936 quando Getulio Vargas usara da mesma prerrogativa e o Parlamento entregara de bandeja as cabeças dos jornalistas-deputados João Mangabeira, Hermes Lima, Domingos Velasco e mais a do jornalista-Senador Abel Chermont, então, processados, condenados e presos.
O Ministro da Justiça, confiante nessa docilidade do Congresso, negociava o pescoço de Moreira Alves e teria sido bem sucedido se o Governo não tivesse esticado a corda demais trocando os membros da comissão que avaliava o caso para garantir uma votação favorável. Garantiu na comissão, na marra, mas perdeu no plenário.
O fato é que durante dois meses a crise institucional foi o assunto relevante da imprensa, alimentada por forças políticas de situação e oposição, radicalismo de ambas as partes para atender interesses e cujo desfecho final seria o fechamento do Congresso e a decretação do AI5. O discurso de Moreira Alves tinha sido o pivô, mas era apenas um pretexto do regime que muito antes disso já articulava, na surdina, a emissão de um ato institucional definitivo, sem firulas democráticas, no melhor estilo do "Estado de Sitio" permanente. Nesse sentido, o jornalista foi o divisor de águas: a sua cabeça à prêmio determinou a nova cara da ditadura, doravante se assumindo de fato.
A informação partiu de uma fonte militar não identificada, o parente de um deputado, segundo informavam os jornais do dia seguinte que também destacavam a escolha da data para o ato planejado, de maneira a coincidir com a chegada da Rainha Elizabeth da Inglaterra ao Brasil. É claro que as providências tomadas pelos jornalistas e pelo Presidente da Câmara José Bonifácio, acionado pelo MDB, abortaram o suposto seqüestro, se é que o boato não era pânico e tinha algum fundamento.
O discurso e a crisePânico na verdade era o sentimento que, então, prevalecia em alguns setores políticos diante das ameaças de fechamento do Congresso que o regime reiteradamente anunciava através de fontes militares, em seguida desmentidas pela Presidência da República que garantia à opinião pública, através da imprensa, que não cogitava essa medida extrema. A boataria, em todo caso, era o resultado de um clima de tensão reinante desde 09 de outubro do referido ano quando o Ministro da Justiça anunciara que pediria à Câmara dos Deputados licença para processar os jornalistas- parlamentares Hermano Alves (que incomodava o regime com artigos no Correio da Manhã) e Márcio Moreira Alves pelo discurso considerado ofensivo às forças armadas, proferido em setembro.
Mas, por algum motivo o Governo deixou de lado Hermano para centrar a sua ofensiva em torno de Moreira Alves, desde então o pivô de uma crise institucional cujo epílogo seria a decretação do AI5 em 13 de dezembro.
Não namorar fardadosO polêmico discurso de Moreira Alves ( que tanto incomodou o regime) passou para a história como uma recomendação para que os brasileiros boicotassem o tradicional desfile de Sete de Setembro e esse era o seu contexto geral, mas, na minha opinião, é nos detalhes que estava o veneno como neste trecho, por exemplo: "Esse boicote pode passar também, sempre falando de mulheres, às moças. Aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje, no Brasil, que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à porta de sua casa àqueles que vilipendiam-nas. Recusassem aceitar aqueles que silenciam e, portanto, se acumpliciam".
Ou seja, Moreira Alves recomendava com todas as letras que os pais de família não permitissem a paquera de suas filhas com militares como se militar fosse uma casta maldita. O discurso estigmatizava a farda e segregava a classe.
Licença na marraO fato é que o Governo, pressionado pela caserna, pediu a cabeça do jornalista-deputado através dos meios regimentais (licença para cassação do mandato) confiando na tradição do Congresso nessa matéria, em situações semelhantes. Ainda estava viva na memória de veteranos políticos o episódio de 1936 quando Getulio Vargas usara da mesma prerrogativa e o Parlamento entregara de bandeja as cabeças dos jornalistas-deputados João Mangabeira, Hermes Lima, Domingos Velasco e mais a do jornalista-Senador Abel Chermont, então, processados, condenados e presos.
O Ministro da Justiça, confiante nessa docilidade do Congresso, negociava o pescoço de Moreira Alves e teria sido bem sucedido se o Governo não tivesse esticado a corda demais trocando os membros da comissão que avaliava o caso para garantir uma votação favorável. Garantiu na comissão, na marra, mas perdeu no plenário.
O fato é que durante dois meses a crise institucional foi o assunto relevante da imprensa, alimentada por forças políticas de situação e oposição, radicalismo de ambas as partes para atender interesses e cujo desfecho final seria o fechamento do Congresso e a decretação do AI5. O discurso de Moreira Alves tinha sido o pivô, mas era apenas um pretexto do regime que muito antes disso já articulava, na surdina, a emissão de um ato institucional definitivo, sem firulas democráticas, no melhor estilo do "Estado de Sitio" permanente. Nesse sentido, o jornalista foi o divisor de águas: a sua cabeça à prêmio determinou a nova cara da ditadura, doravante se assumindo de fato.
* Colombiano, é residente em Salvador desde a década de 70. Autodidata, realiza atualmente o curso de jornalismo na Unibahia.