BRASÍLIA
— O governo não gostou nem um pouco da carta enviada pela ministra Ana de
Hollanda (Cultura) para sua colega Miriam Belchior (Planejamento) reclamando de
falta de recursos, como revelou o GLOBO nesta segunda-feira, em reportagem
antecipada pelo vespertino para tablet “O Globo a Mais”. E muito menos gostou
do vazamento da carta. Mais que isso, a iniciativa de Ana não deve ter o efeito
esperado, pelo menos de imediato. O Ministério do Planejamento afirmou, por
meio de sua assessoria de imprensa, que o corte no Orçamento da União de 2012,
feito no início do ano, afetou todos os ministérios, e que a Cultura não vive
uma situação excepcional. E que cabe aos gestores economizar e eleger
prioridades
. ‘Gestão
em risco’
A carta
foi enviada no último dia 15, com dados sobre o orçamento do ministério. Nela,
a ministra da Cultura afirma que “esses números colocam em risco a gestão e até
mesmo a existência de boa parte das instituições culturais”. Por sua
assessoria, Ana de Hollanda avisou que nem ela nem ninguém do ministério irá se
pronunciar sobre o assunto.
No início
do ano, o governo anunciou um corte de R$ 35 bilhões no Orçamento da União de
2012, dos quais R$ 25 bilhões eram de investimentos. A preocupação do Palácio
do Planalto foi reforçar o discurso de austeridade fiscal diante da crise
internacional. Os maiores cortes atingiram os ministérios da Saúde, Educação,
Cidades e Defesa. No Ministério da Cultura o corte foi de quase 15%,
representando cerca de R$ 130 milhões. Na época, a ministra manifestou
esperança de recuperar esses recursos até o fim do ano, o que normalmente
acontece com todas as pastas.
No
Ministério do Planejamento a iniciativa de Ana de Hollanda causou irritação.
Além de considerada precipitada, já que o governo costuma liberar o que foi
cortado a partir de outubro, o comentário era que não é “usual” um ministro
enviar carta reclamando de falta de recursos, e muito menos deixá-la vazar. E o
Planejamento atribuiu as dificuldades no orçamento da Cultura à falta de jogo
de cintura de seus gestores.
Mas Ana
pode contar com apoio do Congresso. Integrante da Comissão de Educação e
Cultura da Câmara, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) diz que está havendo uma
redução constante das verbas orçamentárias para a área de Cultura e que ele tem
sido procurado por servidores da pasta com reclamações dos baixos salários.
Segundo
Alencar, assim como faziam os ex-ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira, a
ministra Ana de Hollanda deve dialogar mais com o Congresso para a destinação
de mais verbas para sua pasta durante a tramitação e votação do orçamento — o
governo encaminha sexta-feira a proposta para o ano de 2013.
— Está
havendo uma involução das verbas para a área de Cultura. O Brasil é sempre
colocado como país emergente, e nenhum país entra em um processo civilizatório
se não valoriza seu acervo cultural. Os servidores da área têm me procurado
para denunciar a defasagem salarial. Vamos ver como vem o orçamento para 2013,
mas não tenho expectativa de acréscimo. Vamos assumir a bandeira por mais
recursos para a Cultura. Nos sentimos signatários dessa carta — afirmou Chico
Alencar. — Os ministros Gil e Juca dialogavam com o Congresso para obter mais
verbas. Vamos retomar isso com a ministra Ana a partir da próxima semana, com o
orçamento de 2013 já enviado.
O documento
é uma das mais fortes críticas já feitas ao atual estado da Cultura no país e
reverbera uma insatisfação de grande parte dos 2.667 servidores na ativa do
MinC. Uma das principais preocupações é com as condições estruturais dos
prédios ligados ao ministério. A Biblioteca Nacional, por exemplo, está com o
ar-condicionado desligado desde abril, quando um acidente no sistema de
refrigeração afetou o acervo de periódicos. Os servidores também denunciam
vazamentos no telhado, rachaduras nas paredes e instalações elétricas
inadequadas.
Na carta,
Ana de Hollanda também fez um alerta sobre a falta de um plano de carreira e os
baixos salários. De acordo com ela, a taxa de evasão dos funcionários aprovados
no último concurso público para o MinC foi, em média, de 53%: 55% dos
funcionários diretamente vinculados ao ministério, 70% do Instituto Brasileiro
de Museus, 40% da Funarte, 67% da Fundação Cultural Palmares, 37% da Fundação
Biblioteca Nacional e 44% do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico
Nacional.