quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Carta aberta da Redação do Jornal A Tarde

Hoje é um dia triste para não só para nossa história pessoal, mas
também para A TARDE e, principalmente, para o jornalismo da Bahia. Um
dia em que A TARDE, um jornal quase centenário e que já foi o maior do
Norte e Nordeste e que tinha o singelo slogan “Saiu n´A TARDE é
verdade” se curvou. Cedeu a pressões econômicas difusas e demitiu um
profissional exemplar.
Aguirre Peixoto teve a cabeça entregue em uma bandeja de prata a
empresas do mercado imobiliário em uma tentativa de
atração/reaproximação com anunciantes deste setor. Tentativa esta que
pode dar certo ou não. Uma medida justificada por um suposto “erro
grosseiro” não reconhecido pela Diretoria de Jornalismo, pelo
Editor-Executivo, pelo Editor-Chefe, por secretários de Redação,
Editor Coordenador ou editores de Política.
Uma medida, enfim, que só pode ser entendida como uma demonstração de
força excessiva, intimidatória à autoridade da Direção de Jornalismo,
à Coordenação de Brasil e à Editoria de Política. Uma demonstração de
força desproporcional, porque forte não é aquele que age com força
contra algo ou alguém mais fraco. Forte seria enfrentar, como o
jornalismo de A TARDE estava enfrentando, empresários que iludidos
pela promessa do lucro fácil e rápido põem em risco recursos
financeiros de consumidores, o meio ambiente da cidade e que aviltam,
desta forma, toda a cidadania soteropolitana.
Aguirre era o elo mais fraco da corrente. Acima dele havia editores,
coordenador, secretários de redação, editor-executivo, editor-chefe,
diretor de Jornalismo. Todos, em alguma medida, aprovaram a pauta,
orientaram o trabalho de reportagem e autorizaram a publicação da
reportagem. Isso foi feito sem irresponsabilidades, pois não foi
constatado nenhum erro, muito menos um “erro grosseiro”. Se algum erro
foi cometido, o erro foi o da prática do jornalismo, uma atividade
cada vez mais subversiva em época em que propositadamente se misturam
alhos e bugalhos para confundir, iludir, manipular a opinião publica,
a sociedade, a cidadania. É de se estranhar que uma empresa que se
coloca como defensora da cidadania aja de tão vil maneira contra um de
seus melhores profissionais.
Recapitulando, Aguirre foi pautado para dar sequência às reportagens
que fazia sobre a Tecnovia (antigo Parque Tecnológico). O fato novo
era uma liminar concedida pela 10ª Vara Federal em que cassava multa
aplicada ao empreendimento pelo Ibama. Era essa a pauta. No dia
seguinte, a Tribuna da Bahia publicou matéria em que dizia que a
liminar (decisão que pode ser revista) acabava com o processo criminal
contra o empreendimento, que envolve Governo do Estado e duas
poderosas construtoras. A matéria de A TARDE – dentro do padrão de
qualidade que um dia fez deste um jornal de referência – ouviu o MPF e
mostrou que se tratavam de dois processos distintos. O da multa, que
foi cassada liminarmente e que o MPF afirmava que recorreria da
decisão; e o criminal, que continuava em tramitação normal. A matéria
de A TARDE estava tão certa que o MPF, posteriormente, publicou nota
oficial na qual desmentia o teor da reportagem da Tribuna da Bahia
(jornal que serve a interesses não republicanos, para dizer o mínimo).
Essa foi a razão suficiente para o repórter ter a cabeça entregue como
prêmio a possíveis anunciantes.
O interesse público? A defesa da cidadania? O histórico ético, de
manchetes exclusivas, de boas e importantes reportagens? Nada disso
importou a A TARDE. Importou a satisfação a um grupo de empresários, a
uma, duas ou três fontes insatisfeitas. Voltamos a tempos medievais,
quando fontes e órgãos insatisfeitos mandavam em A TARDE, colocavam e
derrubavam profissionais. Tempo em que o jornalismo era mínimo.
“Jornalismo é oposição. O resto é balcão de secos e molhados”. Essa é
uma famosa frase de Millor Fernandes. Dispensado o radicalismo dela, é
de se ter em mente que Jornalismo é uma atividade que incomoda.
Defender o conjunto da sociedade, seu lado mais fraco, incomoda. É
preciso que a Direção de A TARDE entenda que a sustentabilidade do
negócio jornal depende do seu grau de alinhamento com a sociedade
civil (organizada e, principalmente, desorganizada). A força de um
veículo de comunicação não está nos números de circulação ou de de
anunciantes, mas nas batalhas travadas em prol dos direitos coletivos
e individuais diariamente aviltados pelo bruto e burro poder
econômico.
Credibilidade é um valor que se conquista um pouco a cada dia e que se
perde em segundos. E, graças a ações como esta, a credibilidade de A
TARDE escorre pelo ralo a incrível velocidade, assim como sua
liderança, assim como seus anunciantes. Sem jornalismo, o jornal
(qualquer jornal) pode sobreviver alguns anos de anúncios amigos. Mas
com jornalismo, um jornal sobrevive à história.