sábado, 8 de setembro de 2012

Mão pesada, por Merval Pereira




Merval Pereira, O Globo

Encerrada a segunda parte do julgamento do mensalão, já há definições importantes que devem orientar o voto dos ministros nas demais etapas. É consensual que houve desvio de dinheiro público, seja através da manipulação de licitação na Câmara dos Deputados, seja no Visanet do Banco do Brasil.

Há maioria já definida sobre a condição de fictícios dos empréstimos tomados pelas agências de Marcos Valério e pelo PT ao Banco Rural. Eles buscavam encobrir o desvio de dinheiro para financiamento político. Será a partir dessas decisões já tomadas pela maioria dos ministros que o Supremo Tribunal Federal enfrentará as demais etapas do processo do mensalão.

Já não há mais espaço para alegações de que o que houve foi “apenas” caixa dois eleitoral, que tudo não passou de “farsa” ou de golpe dos conservadores contra o governo popular de Lula.

A manifestação mais rombuda nesse sentido partiu do presidente do PT, Rui Falcão, que acusou “a mídia conservadora” e setores “do Judiciário” de serem instrumentos de poder de uma oposição “conservadora, suja e reacionária”.

O ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, defensor do dirigente do Banco Rural José Roberto Salgado, condenado por 10 a 0 por gestão fraudulenta, pretendeu fazer uma análise técnica do julgamento, mas a intenção foi desqualificar as decisões do STF:

“O julgamento caminha para um retrocesso, como a desconsideração dos atos de ofício. Um julgamento que não assegura algumas garantias”. Para ele, “há um endurecimento do tribunal e uma flexibilização no julgamento”.

Ora grosseiramente, ora tentando transparecer uma análise técnica, surgem críticas à atuação do STF entre políticos e advogados ligados aos réus e em órgãos de imprensa, tradicionais ou virtuais, ligados ao governo ideologicamente e/ou por questões financeiras.

Por isso vários ministros ontem trataram de rebater essas críticas ao mesmo tempo que mantinham a “mão pesada” na condenação dos réus.

Gilmar Mendes ressaltou que “a Corte tem reiterado princípios caros aos cidadãos e ao estado de Direito, como o amplo direito de defesa”. E destacou que em nenhum momento o STF cuidou “de flexibilização desses princípios, mesmo diante da justa opinião do povo contra quem participou de um fato repugnante, merecedor de repúdio”.

Quando chegou sua vez de votar, o presidente da Corte, Ayres Britto, referiu-se a críticas “algo meio veladas” de que o STF “colocaria em questão o devido processo legal substantivo, como se alguns elementos conceituais tivessem sendo objeto de representação”.

Ele garantiu que até agora o STF “não inovou em nada nesse sentido fragilizador”.

Para corroborar essa afirmação, o decano do STF, ministro Celso de Mello, lembrou que já em 1994 usou uma expressão de Heleno Fragoso, que afirmava que basta que o agente se deixe corromper para que esse ato seja visto na perspectiva do ato de ofício. “Por isso o Código Penal pune aquele que ainda não se investiu no cargo público, mas aceitou se corromper”.

Rosa Weber já havia abordado esse tema quando deu o seu primeiro voto, chamando a atenção para o fato de que, devido à dificuldade inerente a esse tipo de crime, “tem-se admitido certa elasticidade na admissão da prova acusatória”.

Para a ministra, nos delitos de poder como o que está em julgamento, não pode ser diferente, pois “quanto maior o poder ostentado, maior a facilidade de esconder o ilícito com a obstrução de documentos, corrupção de pessoas”.

Luiz Fux também abordou essa questão mais de uma vez. Disse a certa altura que o julgamento técnico não pode servir de “subterfúgio” para crimes. Afirmando em outra ocasião que se chegou “à generalizada aceitação de que a verdade (indevidamente qualificada como “absoluta”, “material” ou “real”) é algo inatingível pela compreensão humana”, frisou que o que importa para o juízo “é a denominada verdade suficiente constante dos autos”.

Para ele, o moderno Direito Penal resgata “a importância que sempre tiveram, no contexto das provas produzidas, os indícios, que podem, sim, pela argumentação das partes e do juízo em torno das circunstâncias fáticas comprovadas, apontarem para uma conclusão segura e correta”.