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Merval Pereira, O Globo
Encerrada a segunda parte do julgamento do mensalão, já há definições
importantes que devem orientar o voto dos ministros nas demais etapas. É
consensual que houve desvio de dinheiro público, seja através da
manipulação de licitação na Câmara dos Deputados, seja no Visanet do
Banco do Brasil.
Há maioria já definida sobre a condição de
fictícios dos empréstimos tomados pelas agências de Marcos Valério e
pelo PT ao Banco Rural. Eles buscavam encobrir o desvio de dinheiro para
financiamento político. Será a partir dessas decisões já tomadas pela
maioria dos ministros que o Supremo Tribunal Federal enfrentará as
demais etapas do processo do mensalão.
Já não há mais espaço
para alegações de que o que houve foi “apenas” caixa dois eleitoral, que
tudo não passou de “farsa” ou de golpe dos conservadores contra o
governo popular de Lula.
A manifestação mais rombuda nesse
sentido partiu do presidente do PT, Rui Falcão, que acusou “a mídia
conservadora” e setores “do Judiciário” de serem instrumentos de poder
de uma oposição “conservadora, suja e reacionária”.
O
ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, defensor do dirigente do Banco Rural
José Roberto Salgado, condenado por 10 a 0 por gestão fraudulenta,
pretendeu fazer uma análise técnica do julgamento, mas a intenção foi
desqualificar as decisões do STF:
“O julgamento caminha para um
retrocesso, como a desconsideração dos atos de ofício. Um julgamento
que não assegura algumas garantias”. Para ele, “há um endurecimento do
tribunal e uma flexibilização no julgamento”.
Ora
grosseiramente, ora tentando transparecer uma análise técnica, surgem
críticas à atuação do STF entre políticos e advogados ligados aos réus e
em órgãos de imprensa, tradicionais ou virtuais, ligados ao governo
ideologicamente e/ou por questões financeiras.
Por isso vários
ministros ontem trataram de rebater essas críticas ao mesmo tempo que
mantinham a “mão pesada” na condenação dos réus.
Gilmar Mendes
ressaltou que “a Corte tem reiterado princípios caros aos cidadãos e ao
estado de Direito, como o amplo direito de defesa”. E destacou que em
nenhum momento o STF cuidou “de flexibilização desses princípios, mesmo
diante da justa opinião do povo contra quem participou de um fato
repugnante, merecedor de repúdio”.
Quando chegou sua vez de
votar, o presidente da Corte, Ayres Britto, referiu-se a críticas “algo
meio veladas” de que o STF “colocaria em questão o devido processo legal
substantivo, como se alguns elementos conceituais tivessem sendo objeto
de representação”.
Ele garantiu que até agora o STF “não inovou em nada nesse sentido fragilizador”.
Para corroborar essa afirmação, o decano do STF, ministro Celso de
Mello, lembrou que já em 1994 usou uma expressão de Heleno Fragoso, que
afirmava que basta que o agente se deixe corromper para que esse ato
seja visto na perspectiva do ato de ofício. “Por isso o Código Penal
pune aquele que ainda não se investiu no cargo público, mas aceitou se
corromper”.
Rosa Weber já havia abordado esse tema quando deu o
seu primeiro voto, chamando a atenção para o fato de que, devido à
dificuldade inerente a esse tipo de crime, “tem-se admitido certa
elasticidade na admissão da prova acusatória”.
Para a ministra,
nos delitos de poder como o que está em julgamento, não pode ser
diferente, pois “quanto maior o poder ostentado, maior a facilidade de
esconder o ilícito com a obstrução de documentos, corrupção de pessoas”.
Luiz Fux também abordou essa questão mais de uma vez. Disse a certa
altura que o julgamento técnico não pode servir de “subterfúgio” para
crimes. Afirmando em outra ocasião que se chegou “à generalizada
aceitação de que a verdade (indevidamente qualificada como “absoluta”,
“material” ou “real”) é algo inatingível pela compreensão humana”,
frisou que o que importa para o juízo “é a denominada verdade suficiente
constante dos autos”.
Para ele, o moderno Direito Penal
resgata “a importância que sempre tiveram, no contexto das provas
produzidas, os indícios, que podem, sim, pela argumentação das partes e
do juízo em torno das circunstâncias fáticas comprovadas, apontarem para
uma conclusão segura e correta”.
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